Pela longa estrada eu vou —
não como quem parte,
mas como quem se despede do que já não cabe.
Levo comigo a lentidão dos que aprenderam
que apressar a alma é feri-la.
Cada passo meu é um lamento antigo,
uma pergunta sem nome,
um adeus que ainda ecoa entre costelas.
Já não procuro respostas —
procuro ausências.
As marcas do que ficou sem fim,
as vozes que me deixaram antes da hora,
os olhos que mentiram prometer ficar.
Essa estrada não é chão,
é espelho:
me devolve fragmentos que recusei ver.
E eu, que já fui inteiro,
agora sou corte,
fresta,
farelo de ontem atravessando o agora.
Ando,
não por fé nem por fuga,
mas porque parar seria morrer de novo
em tudo que já morri.
O tempo, esse escultor cego,
me talha em silêncio.
Transforma em rugas os rios que chorei,
e em saudade
as mãos que já foram abrigo.
A cada curva, esqueço um nome.
A cada céu, reinvento um rumo.
A cada dor, me descubro vivo.
E se um dia me perguntarem:
— Onde termina essa estrada?
responderei:
— Onde o cansaço vira canto,
e o abismo, alicerce.
Porque pela longa estrada eu vou —
com os pés rasgados de memória,
o peito cheio de ausências,
e o coração,
esse velho andarilho,
ainda teimando em amar o que não entende.