A literatura marginal é a voz que ressoa das esquinas, dos becos e vielas, como se cada verso pudesse transformar o cimento em verso e o asfalto em rima. Em meio aos anos de chumbo, na década de 1970, um grupo de escritores encontrou nas margens um lugar de expressão. Era uma época de silêncio imposto, e a literatura, que deveria apenas retratar o que era belo e aceitável, ganhou contornos de resistência. Palavras ganharam as ruas de forma clandestina, desafiando o poder estabelecido e alcançando leitores que sentiam falta de ver suas realidades nas páginas dos livros.
Esses escritores, muitos da classe média, queriam mais do que apenas escrever. Queriam nos transformar. Nascia, assim, uma literatura que foge dos padrões da elite cultural. Era o grito do cotidiano, traduzido em uma linguagem coloquial e acessível, que misturava humor e crítica, tornando a poesia mais próxima do leitor comum. A literatura marginal, afinal, não era apenas para quem lia entre as paredes das bibliotecas. Ela foi projetada para ser lida no banco da praça, entre a corrida das estações de metrô e nas fachadas grafitadas dos bairros da cidade. Veja,
"Ainda vão me matar numa rua
Quando descobrirem,
principalmente,
que faço parte dessa gente
que pensa que a rua
é a parte principal"
(Leminski)
Leminski, com sua habilidade de capturar o espírito das ruas, expressa em seu poema essa sensação de pertencer a um lugar que não é só geográfico, mas existencial. A rua, para ele e para muitos, é mais do que um espaço físico — é uma forma de viver, de resistir. No poema, ele avisa: "Ainda vão me matar numa rua / Quando descobrirem, / principalmente, / que faço parte dessa gente / que pensa que a rua / é a parte principal da cidade." É a rua que dá voz aos marginalizados, que é palco de manifestações, encontros e desencontros.
Na década de 1990, essa literatura marginal evoluiu e ganhou novas vozes. Deixou de ser somente a subversão de uma classe média contestadora e passou a ser o registro de vidas invisíveis, pessoas cuja existência é ignorada pela grande mídia e pelo poder público. Assim, surgiu a literatura marginal-periférica, onde as ruas ganham novos núcleos, filhos e histórias. São narrativas que brotam das periferias, compartilhadas de dor, de sonhos adiados, mas também de esperança. Vozes que antes foram silenciadas passaram a ser ouvidas, e suas histórias, antes marginalizadas, foram finalmente lidas e reconhecidas.
A literatura marginal-periférica não pretende fazer concessões. Ela mostra a realidade como ela é: crua, dolorosa e, muitas vezes, injusta. Ao invés de buscar uma acessibilidade pelo que é socialmente esperado, ela se abraça em sua essência, expondo o que o centro prefere não ver. Essa literatura também transforma. Ela permite que aqueles que se confirmam em suas linhas se vejam, finalmente, como protagonistas de suas próprias histórias, e não apenas como personagens secundários nas narrativas do centro.
Para muitos autores dessa corrente, a rua é, como Leminski descreveu, “a parte principal da cidade”. A rua é onde tudo acontece: a cultura popular, as relações comunitárias, o sentido de pertencimento. Na literatura marginal, a rua deixa de ser apenas o cenário e se torna a própria narrativa. É nas esquinas que a poesia nasce, nos becos que a prosa se dedica, nas vielas que o leitor encontra personagens que, em outros contextos, poderiam ser vizinhos, amigos, parentes.
A literatura marginal e a literatura periférica se complementam, cada uma com sua própria força e sensibilidade, mas unidas pelo mesmo objetivo: dar voz a quem nunca teve, permitir que as histórias das margens sejam conhecidas e que a rua, com toda sua complexidade e vitalidade, seja finalmente confirmado como o verdadeiro protagonista da cidade.