Era um desses dias em que o tempo parecia escorregar entre os dedos, indiferente a qualquer tentativa de segurá-lo. O relógio da sala, no alto da parede, insistia em marcar cada segundo com uma precisão irritante, como se tivesse prazer em lembrar a todos que ele era o dono do ritmo e ninguém mais.
Dona Marta, sentada na poltrona desgastada, observava os ponteiros darem voltas em torno do mesmo ponto. Havia algo de hipnótico naquele vai e vem constante. O tique-taque era a única voz que se fazia ouvir na casa vazia. Com a televisão desligada e a janela apenas entreaberta para deixar entrar um sopro tímido de vento, tudo parecia suspenso entre a tarde e a noite, num limbo de silêncio e lembranças.
Aos poucos, ela começou a se perguntar quando foi que os dias se tornaram tão longos e, ao mesmo tempo, tão curtos. Tão cheios de horas vazias, mas tão fugazes quando a lembrança dos filhos pequenos ou dos risos à mesa de jantar aparecia na memória. O relógio não mudara; era sempre o mesmo desde que se mudaram para aquela casa há trinta anos. O mesmo pêndulo, a mesma madeira escura e a mesma melodia suave que tocava às seis horas. Mas, de algum jeito, o tempo que ele media já não era o mesmo. Ou talvez fosse ela que já não acompanhava o ritmo.
O tique-taque continuava. Dona Marta suspirou e se levantou com certa dificuldade, caminhando até o aparador. Pegou uma pequena moldura, a foto de família que há muito não olhava com atenção. Os rostos sorridentes a encaravam do passado, presos para sempre em uma fração de segundo. Havia algo de injusto naquilo, pensou. Como se o relógio se recusasse a admitir que cada sorriso, cada expressão, cada momento, jamais poderia ser repetido.
De repente, num impulso que ela mesma não entendeu, subiu em um banquinho e tirou o relógio da parede. Pesado e imponente, ele parecia zombar de sua ousadia. Com mãos trêmulas, ela o abriu. A maquinaria era um emaranhado de peças e engrenagens, todas encaixadas perfeitamente para produzir o som ritmado que a acompanhava todos esses anos.
O que aconteceria se parasse o pêndulo? Ela hesitou, mas então, num movimento decidido, tocou levemente na peça oscilante e a segurou. O relógio estremeceu, relutante. E então, silêncio. Um silêncio absoluto, como se a casa inteira prendesse a respiração junto com ela.
Por um breve momento, Dona Marta sentiu um misto de alívio e culpa. O tempo, aquele velho tirano, finalmente havia sido vencido. Os segundos não estavam mais correndo, ela não estava mais envelhecendo, e o tique-taque não mais ecoava na sala vazia.
Sorriu. Mas logo a sensação passou. O silêncio, antes tão desejado, começou a pesar. Era um silêncio diferente, quase agressivo. Sem o tique-taque, a sala parecia estéril, sem vida. Como se, ao parar o relógio, tivesse também congelado a própria casa. De repente, percebeu que não era o som do relógio que a irritava, mas o medo do que ele significava. Cada tique, cada movimento do ponteiro, era uma prova de que, apesar de tudo, ela ainda estava ali. Viva. Resistindo.
Com um suspiro, soltou o pêndulo e o viu voltar lentamente ao movimento habitual. O som familiar preencheu a sala novamente. Não, o tempo não podia ser domado. Mas ela também não se renderia tão facilmente.
Desceu do banquinho, ajeitou a moldura no aparador e, sem olhar para trás, voltou para sua poltrona. O relógio continuava a contar, imperturbável. Mas agora, cada tique-taque soava menos como um lembrete do passado e mais como um convite para continuar. Seguir em frente, mesmo que cada segundo fosse um desafio.
E, pela primeira vez em muito tempo, Dona Marta sorriu para o relógio. Eles ainda tinham uma longa dança pela frente.