“Ah! Ser pássaro! ter toda a amplidão dos ares
Para as asas abrir, ruflantes e nervosas,
Dos parques através e dos moitais de rosas,
Nos floridos jardins, nas hortas e pomares.”
(Cruz e Souza)
Naquela praça despretensiosa, onde o tempo parecia dançar em compasso com o balançar das árvores, havia um senhor de olhar sereno e mãos generosas. Era figura cativa na rotina matinal dos pássaros que ali se reuniam em alvoroço, como se o simples fato de sua presença fosse um convite à celebração.
Ele, o senhor dos gestos simples e do coração vasto como o céu, comparecia religiosamente a esse espetáculo diário da vida alada. Com passos cadenciados, carregava consigo migalhas de pão, seu presente aos seres que, em sua sabedoria silenciosa, pareciam lhe ensinar algo precioso.
Observando-o de longe, era como se vislumbrássemos a própria essência da generosidade humana personificada. Seus gestos delicados ao espalhar as migalhas de pão eram como um ritual de comunhão com a natureza, um pacto de gratidão pela simples existência.
E os pássaros, ah, os pássaros! Não tardavam a se aproximar, voando em círculos graciosos, como se soubessem que ali encontrariam mais do que alimento para seus corpos, mas também alento para suas almas inquietas. Cada bicada, cada chilreada, era um agradecimento mudo àquela mão estendida que, mesmo sem asas, proporcionava-lhes a sensação sublime de voar.
E nesse ritual de dar e receber, o senhor parecia nos ensinar uma lição tão simples quanto profunda: a importância de nutrir não apenas os corpos, mas também os corações. As migalhas de pão que ele oferecia aos pássaros eram símbolos das pequenas alegrias, dos gestos de gentileza, dos detalhes que muitas vezes passam despercebidos em meio à correria do dia a dia.
Assim como os pássaros dependem dessas migalhas para sobreviver, nós também dependemos desses pequenos momentos de beleza e gratidão para nutrir nossa alma e encontrar sentido na jornada da vida. Pois, afinal, somos todos pássaros em busca de nossa própria liberdade, voando em busca daquilo que nos completa e nos faz sentir vivos.
Enquanto o sol se erguia no horizonte, pintando o céu com tonalidades douradas, o senhor continuava ali, fiel ao seu propósito de alimentar não apenas os corpos famintos, mas também os espíritos sedentos por beleza e ternura. E naquela praça, onde os pássaros dançavam ao som da vida, aprendíamos que, para ser verdadeiramente livres, precisamos aprender a voar não apenas com asas, mas também com o coração. Aprendi: ser pássaro, é ser grato.